Ideia é ter 50% da arrecadação federal atendida por seis unidades a partir do ano de 2025
A Receita Federal está criando mais quatro delegacias de grandes contribuintes especializadas por setores econômicos. Atualmente, existem duas em funcionamento, uma no Rio de Janeiro, voltada para a área de petróleo e gás, e outra em São Paulo, para o setor financeiro. O objetivo é replicar esse formato para outras áreas, de forma a ter 50% da arrecadação federal atendida por essas seis delegacias a partir do ano de 2025. Juntas, essas unidades ficarão responsáveis por fiscalizar em torno de 1,5 mil grandes empresas do país.
Segundo Andrea Chaves, subsecretária de Fiscalização da Receita Federal, a medida visa trazer eficiência, com ganhos tanto para o contribuinte quanto para o Fisco. “Você dá, pelo lado do contribuinte, uniformidade de tratamento, porque você consegue especializar as equipes naquele setor. Não se compara o contrato do setor elétrico com o contrato do setor de petróleo e gás. Quando você tem uma equipe que entende do setor, tudo é mais simples, até a compreensão do que o contribuinte está pedindo”, disse Andrea em entrevista ao Valor.
No caso de uma fiscalização, acrescentou, “quando se detecta alguma irregularidade, há conhecimento de como o setor funciona”. Outros países como Espanha, Estados Unidos, Canadá. Austrália e Reino Unido, afirmou, já seguem esse modelo de segmentação no atendimento. O pleito de expansão das delegacias especializadas, de acordo com a subsecretária, vinha dos próprios contribuintes, a partir da experiência considerada bem-sucedida em São Paulo e no Rio de Janeiro.
“Você vê [nas delegacias especializadas que já existem] a qualidade nas fiscalizações, a especialização e a especificidade de conhecimento dos contratos e de como funciona o setor. [Você vê ainda] o entendimento no trato de pedidos de restituição, compensação. Entende-se exatamente o que está envolvido ali. Tem também a especialização nos serviços. Uma certidão negativa de débitos em uma empresa grande, por exemplo, pode não ser trivial. Então, baseado nessa experiência, estamos ampliando para termos seis delegacias”, disse Andrea.
A estruturação das novas delegacias já começou. Será aberta uma unidade em Manaus (AM), que ficará responsável pelos contribuintes da Zona Franca de Manaus e de setores como eletrônicos, bebidas não alcoólicas, produtos farmacêuticos e hospitalares, transporte marítimo, educação, água e esgoto. Outra unidade será aberta em Salvador (BA) para os setores de químicos, turismo, hotelaria, comércio em geral, vigilância e segurança.
Haverá também uma delegacia em Florianópolis (SC), especializada em agricultura, alimentos processados, fumo, defensivos agrícolas, adubos, fertilizantes e setor sucroalcooleiro. E mais uma em São Paulo, que tratará dos setores de bebidas alcoólicas, tecnologia, telecomunicações, construção, meios de pagamento e outros assuntos relacionados.
A Receita vai alocar auditores já especializados nessas áreas para atendimento nas novas delegacias. Um novo regimento interno será publicado. Todas as unidades terão jurisdição nacional, ou seja, vão atender empresas daquele setor de qualquer lugar do país, não somente da região em que estão instaladas.
“Nada disso ocorre sem uma finalidade que é inseparável do Fisco: a de cobrar”
— Matheus Bueno
Atualmente, a Receita já trabalha por setor econômico na fiscalização de grandes contribuintes, mas esses setores eram divididos nas dez regiões fiscais. “Agora, a gente reorganizou esses setores, concentrando nos 1.500 contribuintes maiores, que chamamos de contribuintes especiais”, explicou Andrea. Ao todo, existem 8,4 mil contribuintes pessoas jurídicas diferenciados, ou seja, que demandam um acompanhamento específico do Fisco, porque representam 60% da arrecadação federal.
Uma novidade é que as delegacias terão um eixo de análise de risco, ou seja, poderá apontar qual a melhor forma de tratamento para aquele contribuinte: por conformidade, autorregularização ou autuação. “Essa é a parte que eu vejo que a especialização ajuda muito, porque às vezes tem um comportamento típico setorial, que tem a ver com um contrato típico e que tem impactos tributários e aí esses impactos tributários às vezes precisam ser tratados de maneira específica”, afirmou Andrea. Essa segmentação poderá ajudar, inclusive, segundo ela, na proposição de alterações legislativas que o Fisco entenda necessário.
Na avaliação de Daniela Silveira Lara, sócia da área tributária do Rolim, Goulart, Cardoso Advogados, a criação de novas delegacias especializadas é positiva tanto para o Fisco quanto para os contribuintes. “O mais importante é que essa especialização agregue, além de conhecimento e eficiência, uma maior cooperação entre o poder público e os contribuintes, criando um ambiente de confiança de forma a aprimorar o diálogo e a prevenção de conflitos em busca de maior segurança jurídica”, disse a advogada.
Segundo ela, o conhecimento técnico setorial dos agentes de fiscalização “permite maior eficiência e entendimento das questões práticas de cada setor e auxilia na busca da conformidade fiscal das empresas”.
No mesmo sentido comentou Matheus Bueno, sócio do Bueno Tax. “A segmentação trata um setor de forma isonômica, evitando possíveis distorções e coibindo até concorrência desleal, por estarem os players todos embaixo da mesma delegacia”, afirmou. Por outro lado, ponderou, “é verdade que nada disso ocorre sem uma finalidade que é inseparável do Fisco: a de cobrar. Há tempos o Fisco entendeu que o nome do jogo é eficiência, então priorizar esforços humanos faz todo sentido”.
Fonte: Valor Econômico